Filosofía política

1.1.O período mítico na Grécia Antiga

Quando uma sociedade é demasiadamente simples e o grau de racionalidade de seus membros é pequeno, os indivíduos buscam as respostas acerca do mundo e da natureza em entidades sobrenaturais e metafísicas. Essas explicações vão se reunindo ao longo do tempo, e dessa maneira vão surgindo os Mitos, segundo os quais o governo da humanidade está ligado à vontade dos deuses.

O discurso do mito se estende a todas as atividades desempenhadas pelo indivíduo, desde o seu nascimento, até a sua morte. Nesse mundo mítico, nada é natural: ao contrário, tudo é sagrado, e independe da vontade do ser, já que todo o seu destino é previamente traçado pelos deuses, e deles depende. Cabe, portanto, a esse estado de sacralização determinar quais ritos, leis e princípios normativos todos devem acatar, se quiserem estar em conformidade com a vontade dos deuses.

O mito é, assim, determinista e trágico, absolutamente pessimista, uma vez que os indivíduos não têm controle sobre seu próprio destino: a determinação deste, cabe aos deuses.

Foi nessa ordem de idéias que o mito foi o primeiro modelo de construção da realidade, na Antiga Grécia. Ele teve como função precípua, além de explicar a própria realidade, acomodar, tranqüilizar, apaziguar o indivíduo diante de um mundo tão assustador.

1.2.A transição para a Democracia Ateniense

Com o passar do tempo, entretanto, as sociedades gregas começaram a se desenvolver, e suas relações tornara-me mais complexas. Os gregos conquistaram os mares e expandiram seu comércio para outros locais, sendo remontado a esse período a criação da moeda. O contato com sociedades e culturas diferentes, levou os gregos à observação de que, em cada local, os indivíduos apreendiam e explicavam a realidade de formas diferentes. O mito, nesse momento, já não explica a realidade satisfatoriamente.

Aliado a isso, o progresso tecnológico alcançado pelos gregos os levou a superar algumas das limitações que outrora lhe impunha a natureza, fazendo com que os indivíduos fossem, aos poucos, perdendo o "medo" dos deuses.

Além disso, a crescente complexidade da organização social, trouxe em seu bojo uma série de conflitos interpessoais, para os quais a lei dos deuses já não apresentava solução. Surgiram, assim, as primeiras leis que visavam a regulamentação das relações na cidade, e deu-se o início do processo de substituição das leis divinas pelas leis humanas.

O grego inventou, assim, a sua própria cidade, em detrimento da cidade dos deuses: surgia a polis.

(...) O pensamento racional actua como material explosivo já neste primeiro estádio. As mais antigas autoridades perdem o seu valor. Só é verdade o que "eu" posso explicar por razões concludentes, aquilo que o "meu" pensamento consegue justificar perante si próprio. (...) Sem embargo, realiza-se com o aparecimento do eu racional a superação do individualismo mais rica de consequências: surge o conceito de verdade, o novo conceito duma validade universal no fluir dos fenómenos, perante a qual se tem de curvar todo o arbitrário.

1.3.A Democracia Ateniense

A "invenção" da polis foi uma conseqüência direta da "descoberta" da racionalidade pelos gregos. À medida em que os indivíduos a foram dominando, os deuses foram saindo do centro do poder, entrando em seu lugar as Leis, convencionadas pelos cidadãos.

A partir daquele momento, a condução das ações dos governantes passaram a ser debatidas na agora (mercado, localizado no centro da cidade). O poder de mando, portanto, não se concentrava mais na força; detinha o poder não quem tivesse armas, e sim quem possuísse o domínio da palavra.

O que implica o sistema da polis é primeiramente uma extraordinária preeminência da palavra sobre todos os outros instrumentos de poder. Torna-se o instrumento por excelência, a chave de toda autoridade no Estado, o meio de comando e de domínio sobre outrem.

(...)

Uma segunda característica da polis é o cunho de plena publicidade dada às manifestações mais importantes da vida social. (...) Tornando-se elementos de uma cultura comum, os conhecimentos, os valores, as técnicas mentais são levadas à praça pública, sujeitos à crítica e à controvérsia. Não são mais conservados, como garantia de poder, no recesso de tradições familiares; sua publicação motivará exegeses, interpretações diversas, oposições, debates apaixonados. Doravante, a discussão, a argumentação, a polêmica tornam-se as regras do jogo intelectual, assim como do jogo político.

No bojo dessas transformações, uma outra movimentação ocorreu, dessa vez em termos migratórios. No intuito de ter liberdade para expor suas idéias, os grandes matemáticos, arquitetos, artistas e pensadores dirigiram-se para Atenas, que se tornava um grande centro de cultura, fundado na liberdade de expressão e na condução coletiva dos negócios públicos. Dentre esses pensadores, estava um grupo de "professores de oratória", que eram pagos pelos atenienses mais abastados para ensiná-los a apresentar e defender suas idéias na Assembléia. Esses professores foram chamados de sofistas.

(...) Como todos os pensadores gregos, os sofistas procuram comunicar algo que tivesse utilidade para a vida. Ensinavam a sabedoria prática; prometiam transmitir o conhecimento da arte de governar os estados e administrar as famílias adequadamente.

(...)

Por outro lado, as condições políticas prevalecentes em Atenas, e a sua condição de estrangeiros se combinaram para criar-lhes dificuldades e para distorcer o sentido do que ensinavam. Em sua maior parte, os sofistas eram estrangeiros que residiam em Atenas, como metecos, sob regime de ampla igualdade social, mas privados de privilégios políticos. (...) Todos se tinham instalado em Atenas porque a cidade era o centro intelectual da Grécia, graças à expansão do Império; mas os alunos que tinham em Atenas eram, naturalmente, filhos de famílias ricas, e os ricos naturalmente não eram simpáticos às instituições democráticas que Péricles havia estabelecido. (...) Quando pensamos que os sofistas, ainda que involuntariamente, devem Ter exercido esse tipo de influência política, e quando nos lembramos de que eram estrangeiros, estabelecidos em Atenas sem muita segurança, percebemos imediatamente as dificuldades da sua posição, e o ódio que deviam atrair.

Percebe-se, portanto, que freqüentar as aulas dos sofistas era um grande privilégio: seus ensinamentos custavam muito dinheiro, e apenas os abastados filhos da oligarquia ateniense podiam pagar.

Vários são os caracteres dos ensinamentos dos sofistas, e inúmeras foram as conseqüências daqueles para o regime político ateniense. Entretanto, para os fins a que se propõe este trabalho, poder-se-ia eleger algumas dentre as principais características desses ensinamentos, que tiveram uma repercussão maior e mais sensível sobre a democracia vivenciada em Atenas:

a)os sofistas procuravam demonstrar que o importante não era conhecer a verdade, e sim convencer o outro de que o orados estava com ela;

b)o bom orador, em sua concepção, era aquele indivíduo que sabia persuadir qualquer um, sobre qualquer coisa;

c)os sofistas apresentavam uma técnica de convencimento que impunha conseqüências gravíssimas ao desenvolvimento da política;

d)sua principal tese era: "todo conhecimento é relativo; não existe um conhecimento verdadeiro, e se existe, é impossível ao homem Ter acesso a ele".

1.4.A decadência da Democracia Ateniense

Vários motivos concorreram para a decadência da democracia ateniense, dentre os quais, citamos:

a)a superficialidade do discurso sofístico;

b)a relatividade como condição do exercício político;

c)a construção de um saber fundamentado na opinião;

d)a participação política dos herdeiros da velha oligarquia ateniense;

e)a aliança entre a velha oligarquia ateniense e a oligarquia militar de Esparta;

f)a derrota militar de Atenas para Esparta.

A História demonstra que, quando um sistema entra em crise, algum tipo de revolução acontece. É nesse exato momento, quando ocorre o enfrentamento do homem com ele mesmo, através do questionamento, que se busca e galgam novas respostas.

A decadência da democracia ateniense se estendeu a uma decadência religiosa, moral, ética, social e política, instalando na sociedade uma crise que a Grécia jamais superou.

1.4.1.Sócrates

Foi nesse contexto que Sócrates (469-399 a.C.) se eternizou, pelo seu questionamento acerca do pensamento disseminado pelos sofistas.

Sócrates é o santo e o mártir da filosofia. Nenhum outro grande filósofo foi tão obcecado com o viver corretamente. Como muitos mártires, Sócrates escolheu não tentar salvar a própria vida, quando provavelmente o poderia Ter feito mudando suas atitudes. (...) E, diferentemente dos santos de toda e qualquer religião, sua fé consistia não em uma confiança na revelação ou em uma esperança cega, mas em uma devoção à razão argumentativa. Nada além disso, segundo a maioria, seria capaz de movê-lo.

O pensamento de Sócrates, em si, não tem grande relevo para o pensamento político. Nesse sentido, sua maior contribuição foi legar sua forma de questionar a Platão, seu discípulo.

1.4.2.Platão e "A República"

Platão (427-347 a.C.) foi o primeiro a estudar a política sob uma perspectiva "científica". Ele percebia que a polis estava "contaminada" pelas idéias dos sofistas, e buscou uma maneira de "curá-la" desse mal, através da racionalidade.

Em seu livro A República, Platão desenvolveu seu pensamento político, através da descrição do que seria, em sua concepção, a forma ideal de governo. Para Platão, a educação era a base da vida social, e sua importância era tão grande, que deveria ser assumida exclusivamente pelo Estado. Através da educação, cada homem poderia desenvolver suas aptidões, e os que chegassem a se tornar filósofos (esse seria o mais alto grau de racionalidade atingível), seriam incumbidos do governo do Estado.

Platão não desejava restaurar nenhum sistema político. A experiência havia mostrado que, nem a oligarquia, nem a monarquia, nem a teocracia, nem a democracia funcionavam bem ("funcionar bem", para Platão, significava "ser justo"). O que Platão pretendia era, em verdade, criar uma forma de governo perfeita, baseada exclusivamente na racionalidade. O grande equívoco de Platão foi imaginar que os filósofos, por supostamente terem o domínio da razão, não fossem capazes de cometer injustiças. Seu projeto político jamais foi posta em prática.

1.4.3.A "Política" segundo Aristóteles

Aristóteles (384-322 a.C.), é tido como o mais erudito e sábio dos filósofos gregos. Familiarizou-se com todo o desenvolvimento do pensamento grego anterior a ele.

Em seu livro Política, Aristóteles intentou reaproximar o exercício da política ao exercício da ética, na busca de restaurar a moral política grega, conspurcada pela sofística, ainda em voga naquele momento.

Para Aristóteles, o grande objetivo da vida do homem era ser feliz; para isso, deveria desenvolver suas aptidões. A natureza, tal qual era, não permitia que um homem isolado se desenvolvesse plenamente. Por essa razão, os homens se uniam para a realização de um bem maior e mais importante: a constituição e manutenção da polis.

Esse fenômeno, segundo Aristóteles, acontecia naturalmente, e o homem seria assim, naturalmente um "animal da cidade" (em grego, como visto acima, polis), ou seja, o homem seria, por natureza, um animal político. Assim, para Aristóteles, o interesse coletivo deveria necessariamente ser mais importante que o interesse particular. Assim conclui, verbis:

Fica evidente, portanto, que a cidade participa das coisas da natureza, que o homem é um animal político, por natureza, que deve viver em sociedade, e que aquele que, por instinto (...) deixa de participar de uma cidade, (...) é merecedor, segundo Homero, da cruel censura de um sem-família, sem leis, sem lar (...).

Aristóteles, que fora discípulo de Platão, viu Atenas e a Grécia serem subjugadas por Alexandre, o Grande. Ruía, assim, a civilização grega, outrora símbolo de grandeza e prosperidade.


2.A FILOSOFIA POLÍTICA NA IDADE MÉDIA

A civilização romana foi, sem qualquer sombra de dúvida, de imensurável importância para a configuração das sociedades atuais, notadamente as do Ocidente, uma vez que a grande maioria dos institutos jurídicos e instituições políticas e até mesmo culturais que conhecemos e cultivamos hodiernamente, têm suas raízes na antiga sociedade romana.

Entretanto, como a finalidade deste trabalho é expor, em linhas gerais, um panorama histórico das teorias filosóficas acerca da política, deixaremos o estudo da antiga civilização romana para outra oportunidade, e passaremos a relatar algumas teorias filosófico-políticas que se desenvolveram na Idade Média.

2.1.O modo feudal de produção

Uma das características fundamentais do feudalismo é a reclusão e a auto-suficiência dos feudos. As invasões bárbaras criavam um grande clima de insegurança, e as pessoas buscavam a segurança dos muros feudais.

O trabalho, naquele período, era predominantemente agrícola, e a terra tinha um valor tão alto que era fator de prestígio econômico e social, determinante do poder político.

Para utilizar a terra, os camponeses pagavam ao senhor feudal com parte de sua produção, além de cultivar as terras deste e prestar-lhe serviços militares, em caso de invasões ou ataques externos. As famílias camponesas produziam seus próprios móveis, roupas, alimentos e, eventualmente, trocavam o excedente entre si.

Oprimidos pela estrutura do sistema feudal, os camponeses eram facilmente manipulados pela Igreja Católica, que através da cobrança do dízimo, de doações de terras e de jogadas políticas, tornou-se o maior e mais poderoso "senhor feudal" do período. A Igreja controlava toda a produção teórica e filosófica do período clássico, e manipulava a produção científica daquele tempo, publicando o que convinha, e excomungando, julgando e queimando os pensadores divergentes. A Igreja era, em verdade, quem mais lutava para conservar o modo de produção feudal, na perspectiva de manter o seu poder político indefinidamente.

2.2.O papel da Igreja Católica no pensamento político medieval

Ao longo de quase toda a idade média, todo o pensamento político do mundo ocidental esteve cerceado pela ideologia moralista da Igreja Católica. Dessa forma, toda a produção teórica acerca da política buscava a formulação de um sistema de governo calcado na moral cristã.

Santo Agostinho (354-430), escreveu o livro A Cidade de Deus, em que afirmava que a cidade humana era essencialmente imperfeita, e que aqueles que vivessem em conformidade com os preceitos cristãos habitariam, após a morte, na Cidade de Deus, onde tudo era justo e perfeito.

São Thomas Morus (1477-1535), em seu livro Utopia (1516), apresentou um modelo de sociedade ideal, onde havia justiça e igualdade para todos os cidadãos, uma vez que viviam, naquela sociedade, de acordo com a "Santa Fé Católica". Morus, católico, foi contra a instalação da Igreja Anglicana por Henrique VIII, o que diminuiria na Inglaterra, como de fato diminuiu, o poder do Papa.


3.A FILOSOFIA POLÍTICA RENASCENTISTA

3.1.As Cruzadas

Com o advento das Cruzadas, um grande contingente de camponeses se dirigiu para o Oriente, em busca de novas oportunidades de vida. Como deixaram de produzir para se dedicar às lutas, precisaram de alguém que lhes fornecesse os produtos que outrora produziam. Começava a renascer, assim, lenta e progressivamente, a atividade comercial, e começaram a surgir pessoas que se dedicavam somente à sua prática, especializando-se cada vez mais e criando e aprimorando técnicas e instrumentos comerciais.

Com o passar do tempo e o desenvolvimento da atividade comercial, esses primeiros comerciantes e seus descendentes começaram a acumular capital, o que possibilitaria a quebra de alguns privilégios políticos dos senhores feudais, tempos depois. Além disso, a diminuição do contingente de trabalhadores rurais fez com que os remanescentes passassem a exigir melhores condições de vida e mais liberdade. A classe média que emergia, então, com o intuito de desenvolver suas atividades, fez alianças com os reis, no sentido de enfraquecer os senhores feudais e promover a expansão de suas atividades comerciais.

3.2.O Renascimento

Concomitantemente, os artistas e pensadores começaram a resgatar os valores estéticos da Antigüidade Clássica, fazendo com que o homem olhasse mais para si mesmo, esquecendo-se um pouco de Deus, afastando-se um pouco da visão teocêntrica pregada pela Igreja Católica.

Ademais, os pensadores começaram a buscar uma nova forma de conhecimento, que se despojasse dos dogmas escolásticos, e que fosse pautado unicamente na razão.

Começou a surgir, assim, lentamente, uma nova Ciência independente da dogmática cristã, que se desenvolveu paulatinamente, até culminar, no século XIX, com a consolidação da Ciência Moderna.


4.MAQUIAVEL: UM CAPÍTULO À PARTE

Nicolau Maquiavel (1469-1527), é um dos mais importantes pensadores de todos os tempos, especialmente para o campo da política, por um motivo bastante simples: ele foi o primeiro a dissociar a política da moral.

A característica mais marcante da obra maquiaveliana reside justamente no fato de que Maquiavel, ao pensar e escrever sobre política, rejeitou completamente o idealismo dos clássicos e rompeu definitivamente com a velha moral católica.

Enquanto Platão, Aristóteles, Santo Agostinho e Thomas Morus, por exemplo, procuraram estabelecer as características de um Estado ideal, Maquiavel seguiu no sentido oposto: ao invés de se preocupar com o que o Estado deveria ser, procurou desenvolver uma teoria a partir do que o Estado era de fato.

O pensamento maquiaveliano se baseia na análise da história, uma vez que
Maquiavel procurou aprender com as ações dos grandes homens nos grandes momentos da história, bem como na psicologia, já que quis compreender a natureza do homem na história, e como este se comportou ao longo dela.

Essa "análise retrospectiva" dos fatos históricos levou Maquiavel à constatação de que, ao longo de toda ela, os homens mostraram-se sempre os mesmos: ingratos, volúveis, simuladores, covardes e ávidos por lucro. Por essa razão, um governante ("príncipe", na terminologia maquiaveliana) que pretendesse comandar o Estado deveria possuir duas características imprescindíveis: força e inteligência. A primeira, para conquistar o poder; a Segunda, para mantê-lo.

Os expedientes utilizados pelo príncipe para a manutenção da ordem no Estado, ao contrário do que haviam preconizado todos os pensadores anteriores a Maquiavel, não deveriam ser previstos em nenhuma lei ou norma moral; ao contrário, era cada situação que determinaria o que seria certo ou errado, moral ou imoral, bom ou mal. Maquiavel inaugura, assim, a "moral de circunstância", que era completamente avessa à velha moral católica.

Por conta disso, usa até mesmo hodiernamente, o termo "maquiavélico" para designar as pessoas malevolentes, astutas e impiedosas: a própria Igreja incumbiu-se de conspurcar a imagem de Maquiavel, pelo fato deste ir de encontro a seus interesses.

Para Maquiavel, toda sociedade poderia passar por três estados ("estado" com letra minúscula, querendo significar "situação"): anarquia, principado e república. A Itália, naquele momento, estava gravada pela anarquia; precisava de um príncipe virtuoso, que reorganizasse e unificasse o Estado Italiano, e depois deixasse o governo e instaurasse a República.

Pelo fato de ter atribuído ao estudo da política um caráter de independência, Maquiavel é considerado por muitos o "Pai da Ciência Política", embora esta somente tenha se firmado efetivamente como a concebemos hoje, a partir do século XIX.


5.A FILOSOFIA POLÍTICA CONTRATUALISTA

O desenvolvimento das idéias acerca da origem do mundo e das coisas, advindas do distanciamento entre a produção do conhecimento e a moral católica, engendrou a procura por novas explicações acerca do surgimento da sociedade civil. Como surgiram as primeiras sociedades? Foram famílias que cresceram e formaram os primeiros agrupamentos humanos, que mais tarde deram origem às vilas e, posteriormente às cidades? E o Estado? Como surgiu? O Estado antecedeu a sociedade, ou a sociedade veio antes do Estado? Qual o fundamento que explica o surgimento do Estado e, conseqüentemente, por quê as pessoas devem obedecer às ordens emanadas no âmbito do Estado? Como poder-se-ia justificar e legitimar o poder do Estado sobre os indivíduos?

A doutrina contratualista procurou responder a algumas dessas perguntas. Apesar das divergências existentes entre cada autor contratualista, há um liame que "amarra" suas teorias, e que por fim, acaba por caracterizá-los como tal, como contratualistas.

Para os contratualistas, a sociedade antecedeu o Estado. Primeiramente, os indivíduos se uniram em grupos, que eram a princípio desorganizados do ponto de vista do poder político, e onde imperava, diante da ausência de uma autoridade geral e de regras de convivência, a lei do mais forte. Nesse momento, ao surgir um conflito de interesses entre dois ou mais indivíduos, satisfaria sua pretensão aquele que fosse forte o suficiente para subjugar os demais. A esse estágio, os contratualistas chamam de estado de natureza. Vive aí, o homem, em estado de absoluta natureza, em que predomina a força, e a violência é a única forma de solução de conflitos. O estado de natureza caracteriza-se pela insegurança, pela incerteza e pelo medo.

Os contratualistas pregavam que, em determinado momento, desejando os homens instaurar a segurança e a paz social, reuniram-se todos e celebraram um contrato, a que chamaram de contrato social, ou pacto social. Através desse contrato, todos concordaram em abrir mão de parte ou de toda sua liberdade, transferindo-a para um soberano, que teria por incumbência organizar a sociedade e manter a paz, solucionando os conflitos, diminuindo assim as desigualdades relacionadas à força física.

É a partir desse ponto que os autores começam a divergir: cada um acredita em uma forma de governo, e defende um projeto político, com as conseqüências advindas de sua eventual instauração. Dentre os contratualistas, três merecem destaque, embora não sejam os únicos autores importantes: Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau.

5.1.Thomas Hobbes

Para Thomas Hobbes (1588-1679), o homem era naturalmente mau, mesquinho, invejoso e egoísta. Seu grande objetivo na vida era obter mais vantagens do que os outros.

Assim, segundo Hobbes, vivendo no estado de natureza, a humanidade tendia a viver sempre em conflito, guerras e disputas entre si. Dessa forma, seria difícil para o homem preservar seu bem maior – a vida, uma vez que, por exemplo, mesmo os mais fortes são vulneráveis quando dormem.

Para acabar com esse clima de "guerra eterna", os homens se reuniram e celebraram um pacto social, através do qual abdicavam de parte de sua liberdade, em favor do soberano, que passaria a ter plenos poderes para organizar a sociedade e dirimir os conflitos, impondo aos indivíduos a sua decisão.

Hobbes foi, dessa forma, um ferrenho defensor do absolutismo. Para ele, apenas dispondo de plenos poderes (já que fora o único a não participar do pacto), o soberano poderia manter a paz e a ordem na sociedade. Poderia, se julgasse necessário, matar, mentir, não manter a palavra empenhada, etc., sem dever quaisquer satisfações a quem quer que fosse.

5.2.John Locke

A importância de John Locke (1632-1704) para o desenvolvimento do pensamento político ocidental parece não ter, à primeira vista, tanto relevo. O que chama a atenção, em verdade, é o fato de Locke haver representado, talvez pela primeira vez, o ideal político de uma classe, naquele momento em franca ascensão no cenário político e econômico europeu: a burguesia.

Locke, avesso ao ideal político hobbesiano, foi o defensor por excelência da manutenção do poder político do Parlamento inglês, em contraposição ao absolutismo do rei.

À semelhança de Hobbes, Locke foi um contratualista. Este, porém, preconizava que o pacto social tinha por fim a proteção da propriedade privada pelo Estado.

Locke acreditava que cabia ao Estado proteger a propriedade privada, a ordem e a paz, e que, na medida em que não o estivesse fazendo a contento, seria perfeitamente possível e lícito desfazer o pacto, já que o mesmo não cumpria sua finalidade.

5.3.Jean-Jacques Rousseau

Rousseau (1712-1778) foi um iluminista. Seu pensamento influenciou toda a geração posterior de poetas, romancistas e contistas. Seu ideal político serviu de mote para a Revolução Francesa de 1789.

Rousseau também foi um contratualista. Porém, ao contrário de Hobbes, acreditava que o homem era essencialmente bom: vivendo no "estado de natureza", não era capaz de fazer o mal, exceto para se defender; sendo tudo acessível a todos, não havia motivo para disputas interpessoais.

Tudo começou a dar errado, segundo Rousseau, quando surgiu a propriedade privada. Sobre como isso se deu, afirma ele:

O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto é meu e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não pouparia ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: "Defendei-vos de ouvir esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém!"

Portanto, para Rousseau, os homens seriam naturalmente bons, e seria a sociedade a lhes corromper. Para o iluminista suíço, o estado de natureza seria, portanto, melhor do que a sociedade civil. Não sendo, entretanto, possível voltar ao estado de natureza, busca desenvolver um sistema político que minore as diferenças entre os homens, criadas pela sociedade civil. Rousseau se referia, principalmente, ao falar em "diferenças", da propriedade privada, para ele, a mãe e rainha de todas as misérias humanas.

Os homens, assim, na concepção rousseauniana, firmaram um pacto, o contrato social, segundo o qual todos governariam juntos, em prol do bem comum. Rousseau pregava, portanto, que o Estado existia não para defender interesses particulares, e sim para defender a "vontade geral". Isso foi tão enfatizado por Rousseau, que ele chamou a vontade geral, ou seja, a opinião comum de todos os cidadãos de "soberano". Ao contrário de Hobbes, por exemplo, para quem soberano era o rei.


6.A GÊNESE DA CIÊNCIA MODERNA

6.1.Contexto histórico do surgimento da Ciência Moderna

No século XIX, os pensadores enfrentaram um grande desafio: compreender e explicar as mudanças pelas quais passava a sociedade européia, desde as revoluções burguesas na Inglaterra e na França.

Surgiu uma nova classe social – a burguesia – que foi ao longo do tempo acumulando capital e poder, levando à derrocada da ordem social reinante (que Marx chamaria mais adiante de "modo de produção);

o contato com outras culturas fez com que as explicações acerca dos fenômenos naturais e sociais proferidas pela Igreja perdessem a credibilidade, suscitando no homem o desejo de buscar o conhecimento por meios puramente racionais;

a-Igreja Católica perdeu parte de seu poder devido ao protestantismo;

b- Revolução Industrial trouxe como conseqüências o êxodo rural, a miséria, a fome, e o aumento da criminalidade, prostituição, etc.

Num período de oitenta anos, entre 1780 e 1860, a Inglaterra havia mudado de forma marcante a sua fisionomia. País com pequenas cidades, com uma população rural dispersa, passou a comportar enormes cidades, nas quais se concentravam suas nascentes indústrias, que espalhavam produtos para o mundo inteiro.

Tais modificações não poderiam deixar de produzir novas realidades para os homens dessa época.

6.2.Auguste Comte e o Positivismo

Auguste Comte (1798-1857), analisando todos esses aspectos, concluiu que as ciências que existiam não conseguiam explicar as mudanças que ocorriam na sociedade: era preciso surgir uma nova ciência, que sistematizasse os estudos dos fenômenos sociais, no intuito de descobrir as leis que os regiam. Criou, assim, a Sociologia.

Comte explicou o conturbado contexto social que a Europa vivia naquele momento da seguinte maneira:

Ao lado de um regime feudal em franca decadência, comandado por uma lógica teológico-militar, surgia uma nova ordem social, comandada por uma lógica científico-industrial; assim, para Comte, a Europa estava em crise porque, naquele momento, as duas ordens sociais coexistiam. A partir do momento em que o regime feudal fosse totalmente eliminado, a crise seria solucionada pela Ciência.

Comte concluiu que a sociedade passaria por três estágios (Lei dos Três Estados):

a)Teológico: O homem buscava as explicações para os fenômenos em agentes sobrenaturais, através da mitologia ou da religião;

b)Metafísico: O homem buscava o sentido de algo em uma energia abstrata, inerente e exterior a esse objeto;

c)Positivo: O homem deixaria de se preocupar com a origem dos fenômenos, limitando-se a qualificá-los e quantificá-los, estabelecendo conceitos gerais a respeito do mesmo.

E, após apresentar os três "estágios evolutivos" das sociedades, Comte conclui: (...) a primeira é o ponto de partida necessário da inteligência humana, a terceira, seu estado fixo e definitivo; a segunda está destinada unicamente a servir de transição (...).

(...) A sociologia sintética de Auguste Comte sugere, aliás, tal competência: ciência do todo histórico, ela determina não só o que foi e o que é, mas também o que será, no sentido da necessidade do determinismo.

Comte acreditava no caráter redentor da Ciência: através dela, a humanidade teria acesso à cura de todos os males, de todos os problemas, de todos os desvios.

6.3.Karl Marx

Ao contrário de Comte, Karl Marx (1818-1883) percebia que a sociedade estava dividida em duas classes sociais, essencialmente antagônicas, e em ininterrupto conflito entre si: o proletariado, de um lado, e a burguesia, de outro.

Enquanto no positivismo os conflitos entre trabalhadores e empresários são fenômenos marginais, imperfeições da sociedade industrial cuja correção é relativamente fácil, para Marx esses conflitos entre os operários e os empresários, (...) são o fato mais importante das sociedades modernas, o que revela a natureza essencial dessas sociedades, ao mesmo tempo que permite prever o desenvolvimento histórico.

Para Marx, as eventuais classes intermediárias tendiam a desaparecer, ou ascendendo para a burguesa ou caindo para a proletária.

Marx reconhecia na burguesia uma classe que era, segundo ele, revolucionária por excelência. Primeiramente, por provocar a substituição do modo de produção feudal pelo capitalista; em segundo lugar, por haver destituído os proprietários de terras de seu papel de dominadores exclusivos do poder político e econômico, assumindo seu lugar; finalmente, ao plantar as bases de sua própria destruição, no futuro.

A doutrina política de Marx é revolucionária (...) pelo fato de que ela passa pela expulsão de uma classe possuidora e sua substituição por outra. E este é um processo que pode claramente requerer um grande espaço de tempo para ser levado a efeito. Podemos observar aqui a característica peculiar do socialismo: o fato de que ele envolve a chegada ao poder da classe trabalhadora, que ao fazer isso cria as condições para a abolição de todas as classes.

Quando isso acontecesse, segundo Marx, não haveria mais a necessidade de existir o Estado, pois este só existia para garantir a dominação de uma classe favorecida diante das outras.


CONCLUSÃO

A partir da exposição que fizemos de um breve panorama histórico das principais teorias políticas, desde a Antigüidade até o período pós-revolucionário, algumas observações têm de ser feitas.

Em primeiro lugar, ao se falar em "Política", e mais especificamente em "Teoria Política" ou "Ciência Política", deve-se fazer uma distinção muito clara das diferenças entre Ciência e Filosofia Política; esta, como vimos até o momento, não se caracteriza como conhecimento científico, como se concebe o termo científico hodiernamente. O conhecimento científico tem pressupostos metodológicos muito peculiares, cuja ausência acarreta a sua classificação como conhecimento filosófico ou, em último caso, faltando mesmo os requisitos caracterizadores do conhecimento filosófico, como senso comum. Portanto, essa busca incessante por um sistema de governo ou um modelo de Estado ideal, nada mais é do que filosofia, e não Ciência Política.

A Ciência Política, enquanto espécie do gênero "ciência social", caracteriza-se precisamente por utilizar-se dos métodos e metodologia próprios das ciências sociais, dentre as quais a sociologia, por exemplo. Possui um caráter muito mais descritivo dos fenômenos políticos, do que propriamente especulativo. Daí a razão do presente estudo terminar com a sucinta apresentação da teoria de Karl Marx. Evidentemente, muitos outros autores seguiram os estudos acerca do fenômeno político após Comte e Marx; entretanto, todos com um caráter e uma metodologia própria da Ciência Moderna criada por aquele. Os próprios autores citados aqui, Comte e Marx, não deveriam, pelo objetivo almejado por este breve estudo panorâmico, constar deste texto. Entretanto, julgamos que, para que o estudante recém-ingressado na Universidade, impossível seria compreender o alcance das teorias do Estado estudadas nas disciplinas introdutórias, sem ter ao menos uma mínima noção do pensamento desses autores.